Eliminação de Candidato: Análise Jurídica do Concurso da Força Aérea Brasileira / QOCon


Postado por Dra. Carolina Antunes
em: 16 de Abril, 2024 às 14:18h

QOCon TEC

Foto ilustrativa do Força Aérea


Desafios no Processo Seletivo de Militares Temporários

1. Introdução

Muitos candidatos com formação técnica ou em nível superior encontram oportunidade de se submeterem a experiência da vida militar, bastando a avaliação curricular, inspeção de saúde e teste físico. Para muitos é a oportunidade de mudar de vida e adquirir uma vasta experiência na área de formação. Porém, muitos entraves surgem durante a participação no certame público, acarretando inúmeras eliminações.

As eliminações nos certames públicos para a carreira militar podem ocorrer por desídia do próprio candidato, que deixa de observar algumas regras básicas e exigências do edital, e outras, por uma atuação irregular da própria Administração Pública Militar, ensejando na eliminação de candidatos com expressa violação do princípio da legalidade e muitas das vezes atingindo a própria dignidade da pessoa humana.

Neste artigo, em específico, abordaremos os concurso público simplificado promovidos pela Força Aérea brasileira para o Quadro de Oficiais da Reserva de 2ª Classe Convocados, em caráter temporário, em tempo de paz, para a prestação do serviço militar, cujas etapas são compostas de validação documental, avaliação curricular, inspeção de saúde e teste de aptidão física militar.

O aludido certame público é organizado pela Diretoria de Administração de Pessoal em conjunto com os Serviços de Recrutamento e Preparo de Pessoal da Aeronáutica (SEREP). As Organizações Militares (OMs) localizadas nas respectivas áreas geográficas de atuação são os órgãos responsáveis pela execução do processo seletivo, distribuídos por diversas cidades do Brasil: Belém, Manaus, São Paulo, Canoas, Recife, Rio de Janeiro, Brasília.

Justamente, por se tratar de um concurso público sem aplicação de provas objetivas ou discursivas, a classificação inicial dos candidatos se dá com base na validação documental e consequente avaliação curricular e, a depender da graduação ou especializações, pode colocar o candidato no topo da classificação ou até mesmo eliminá-lo.

2. Exclusão do candidato na avaliação curricular

A avaliação curricular nos concursos públicos é um dos aspectos fundamentais na seleção de candidatos para cargos governamentais. Esse processo busca analisar o histórico profissional, acadêmico e experiências anteriores dos candidatos para determinar sua adequação ao cargo em questão. Essa avaliação pode variar de acordo com o tipo de concurso e a instituição que o realiza, mas geralmente envolve a análise de documentos como currículos, certificados, diplomas e comprovantes de experiência.

Ao analisar o currículo de um candidato, os avaliadores buscam entender sua formação acadêmica, experiência profissional, habilidades técnicas e competências relevantes para o cargo em questão. Essa análise é crucial para garantir que os candidatos selecionados possuam o conhecimento e as habilidades necessárias para desempenhar suas funções de forma eficaz e eficiente.

Tendo em vista se tratar de processo seletivo simplificado, muitos dos certames públicos militares, para composição do quadro de militares temporários dispensam as provas objetivas e discursivas, optando pela avaliação curricular.

Tal medida, ajuda a própria Administração Pública Militar a compor em seu quadro pessoal mais qualificado para as atividades. Contudo, na avaliação inicial muitos candidatos não possuem a validação dos documentos apresentados, seja por erro na entrega ou falta de avaliação da própria banca de seleção.

Assim como em qualquer concurso público, a base e organização está atrelada ao Edital. O edital de concurso é um documento legalmente vinculativo e serve como guia para os candidatos que desejam participar do processo seletivo. Ele é geralmente divulgado de forma ampla, seja por meio de publicações oficiais, sites da instituição organizadora ou outros meios de comunicação.

O edital de concurso contém informações importantes, tais como:

  • Requisitos para participação: como qualificações mínimas, idade mínima ou máxima, experiência necessária, entre outros.
  • Formas de inscrição: indicando o período de inscrição, os documentos necessários e o processo para se candidatar.
  • Conteúdo e formato das provas: especificando o tipo de avaliação (por exemplo, prova escrita, prova prática, entrevista), o conteúdo que será abordado nas provas e o peso de cada etapa na avaliação final.
  • Cronograma: informando as datas das diferentes etapas do concurso, como período de inscrição, datas das provas, resultados preliminares e finais, entre outros.
  • Critérios de avaliação e eliminação: detalhando os critérios pelos quais os candidatos serão avaliados e as condições que podem levar à desclassificação.
  • Recursos e revisões: explicando os procedimentos para contestação de resultados ou outras questões relacionadas ao processo seletivo.

Justamente no critério de avaliação curricular, surgem alguns entraves que podem acarretar na não validação e consequente impossibilidade de prosseguimento nas demais etapas do certame público. Em específico no Concurso QOCON da FAB, alguns candidatos deixam de entregar documentos essenciais, como certidões de antecedentes criminais, certidões estaduais, e muitas das vezes são emitidas por sites específicos, deixam de comprovar experiência da na área profissional, dificultando ainda mais o acesso nas etapas subsequentes.

Diante disso, uma observação primordial deve ser feita antes da leitura do próprio edital: Cuidado com orientações passadas por outros candidatos em grupos de whatsaap.

É corriqueiro em concursos da Força Aérea brasileira candidatos que compartilham “link” para acessar certidões estaduais, municipais, e aqueles que não leem o edital, acabam sendo induzidos pelo “grupo” e apresentam certidões erradas, e acabam sendo eliminados. Para esses casos de apresentação de documentos errados ou até mesmo a omissão ou mero esquecimento do candidato pode ser fatal a sua eliminação do certame público.

Por exemplo certidões estaduais de antecedentes criminais, é do Estado que pertence o candidato, e não adianta querer pegar a mesma certidão que o candidato de outro estado obteve acesso, isso pode prejudicar o próprio candidato, e ainda que ingresse na via judicial, pode correr o risco da eliminação ser mantida por não apresentação de documentação.

Por isso, leia atentamente as regras do edital e se não compreender certos pontos do edital, busque os órgãos públicos para sanar as dúvidas ou até mesmo a própria comissão organizadora do concurso público.

Outra questão são profissões regulamentadas pelo MEC - Ministério da Educação e com o passar dos anos tiveram alterações na grade curricular, implicando em algumas modificações. Lembre-se, tal fato não pode implicar em invalidação ou anulação do diploma. Caso o candidato seja eliminado por esse motivo deve interpor recurso administrativo ou buscar a via judicial.

Mais um fator utilizado como excludente na avaliação curricular, é o candidato portador do Curso de Tecnólogo, e embora seja um curso equivalente a nível superior, acabam sendo excluídos por não possuir diploma em consonância com as regras do edital.

Um esclarecimento há de ser feito, o curso de tecnólogo foi criado pela Lei Federal nº 8.948/94, a qual transformou as antigas Escolas Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológicas (art. 3º)

Como forma de regulamentar a lei acima mencionada, foi editado o Decreto Federal nº 2406/97 (art. 3º, VI) e Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE /CP 3, de 18 de dezembro de 2002 - art. 2º, “caput”), consideram o Curso de Tecnólogo como sendo de nível superior.

Todavia, para concursos que se exige o Bacharelado, muitas vezes o Curso de Tecnólogo não pode ser a ele equiparado, estando na esfera da Administração Pública a autonomia para decidir a qualificação dos candidatos que melhor atendam às finalidades do recrutamento, razão pela qual se afigura legítima a exigência de diploma de curso de graduação de bacharelado para preenchimento de determinados cargos prevista expressamente no edital.

A equiparação de tratamento entre os cursos de tecnólogo e bacharelado só seria justificável caso o candidato demonstre, concretamente, que as atribuições do cargo poderiam ser exercidas tanto pelo tecnólogo como pelo bacharel.

Vejamos jurisprudência nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO. MILITAR. OFICIAL TEMPORÁRIO. PREVISÃO E DITALÍCIA. BACHARELADO. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. 1. O Agravante se insurge contra decisão que indeferiu seu pedido de tutela antecipada, que objetivava sua inclusão nos quadros da Marinha, na vaga de oficial temporário na área técnica RM2 (área de informática), para a qual prestou concurso, argumentando que o diploma de Graduação de Nível Superior de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas é e quiparado à graduação. 2. O Agravante foi eliminado do concurso público de nível superior (oficial temporário na área técnica RM2, área de informática), na fase de análise de documentos, por ter apresentado diploma de "Graduação de Nível Superior de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas", enquanto o edital exige a conclusão de curso superior/bacharelado na área por ele e scolhida. 3. Da leitura do edital do certame, percebe-se que há previsão específica de que o candidato tenha "concluído o curso superior (Bacharelado/Licenciatura) relativo à profissão a que concorre", de modo que não há como se considerar que o diploma do recorrente atende os r equisitos previstos no edital do certame. 4. A alegação do Recorrente no sentido de que a Resolução do Conselho Nacional de Educação /CP nº 3 de 18/12/2002 (baseado no parecer emitido CNE/CES 436/2001) dispõe que os cursos superiores de tecnologia são cursos de graduação e lhe asseguram continuar no concurso só seria verdadeira se não houvesse disposição expressa no edital, exigindo o Bacharelado, o que não é o caso dos autos. 5. Não se mostra presente a verossimilhança das alegações apta a ensejar a antecipação dos efeitos da tutela, tampouco se vislumbra qualquer ilegalidade na conduta da Administração ao decidir que "Conforme exposto no edital, não poderão ser aceitos candidatos com diploma de Tecnólogo". 6. Agravo de Instrumento desprovido ACÓRDÃO Visto e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas. Decide a Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator constante dos autos, que fica fazendo parte integrante do presente julgado. Rio de Janeiro, de de 2018 . 1 Reis F riede Rela tor 2(TRF-2 - AG: 00113292120174020000 RJ 0011329-21.2017.4.02.0000, Relator: REIS FRIEDE, Data de Julgamento: 08/03/2018, 6ª TURMA ESPECIALIZADA)

Portanto, além de ler as regras do edital o candidato deve observar se a elas também se enquadra, não somente os critérios objetivos, também os critérios subjetivos.

3. Exclusão do candidato na fase de inspeção de saúde

Ultrapassada a fase de avaliação curricular, inicia-se a fase da inspeção de saúde e consequente submissão ao teste físico de aptidão militar. Com isso, uma bateria de exames médicos é exigida e custeada pelo próprio candidato, que podem acarretar no êxito ou na sua eliminação.

A eliminação na fase de inspeção de saúde, deve levar em consideração, além das regras previstas no edital, mas principalmente o exercício da atividade militar. Em alguns casos, candidatos são considerados inaptos pela Junta Médica Militar, sem saber o verdadeiro motivo da eliminação, dificultando ainda mais o recurso administrativo e até mesmo a adoção de alguma medida judicial.

Por isso, dois pontos devem ser observados:

  1. Veja se as suas condições de saúde se enquadram nas exigências do edital;
  2. Verifique se a alteração apresentada na sua saúde impacta diretamente na atividade militar, pois em alguns casos pode ser afastada na via judicial.

A principal consequência do candidato ser portador de uma doença preexistente à incorporação, será a anulação da sua incorporação sem quaisquer direitos indenizatórios. Isso significa dizer que ainda que seja considerado apto em inspeção de saúde, caso apresente alguma alteração de sua saúde durante a prestação do serviço militar.

PROCESSO Nº: 0806536-08.2018.4.05.8400 - APELAÇÃO CÍVEL APELANTE: JORDAN FERNANDES TAVARES ADVOGADO: Aleika Da Silva Nobrega APELADO: UNIÃO FEDERAL RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Francisco Roberto Machado - 1ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1º GRAU): Juiz (a) Federal Janilson Bezerra De Siqueira EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MILITAR TEMPORÁRIO. ANULAÇÃO DE INCORPORAÇÃO SOB O FUNDAMENTO DE IRREGULARIDADE NA SELEÇÃO, QUE NÃO DETECTOU DOENÇA INCAPACITANTE PREEXISTENTE. RETORNO DOS AUTOS PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. INEXISTÊNCIA DE INCAPACIDADE. SEM SUPORTE FÁTICO A MOTIVAÇÃO DA ANULAÇÃO DA INCOPORAÇÃO. ANULAÇÃO DO ATO E REINTEGRAÇÃO DO MILITAR. DESCABIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.. (TRF-5 - APELAÇÃO CÍVEL: 0806536-08.2018.4.05.8400, Relator: FRANCISCO ROBERTO MACHADO, Data de Julgamento: 02/09/2021, 1ª TURMA)

Caso a doença ou inobservância de laudo médio impacte diretamente na eliminação do candidato, poderá haver intervenção judicial, no sentido de afastar a aplicação de determinada regra prevista no edital para aquele candidato em específico, de forma a assegurar a isonomia material no certame público.

Frisamos aqui que a razoabilidade e proporcionalidade deve ser aplicada em muitos casos de eliminação injusta, contudo, não dever ser interpretado de forma ampliada para possibilitar o anseio de candidatos que não se enquadram nos requisitos exigidos pelo concurso público.

Outro fator importante é a eliminação de candidato pela não entrega de determinado exame médico, muitos por não obterem o resultado do exame em tempo hábil e outros por apresentarem documentos incompletos. Nestes casos, malfere os princípios da razoabilidade e proporcionalidade a eliminação de candidato a um concurso público pela não entrega de uma única avaliação clínica, em conformidade com o edital, dentre uma vasta gama de exames exigidos.

Não se pode exigir do candidato conhecimento técnico na área médica quando entrega tempestivamente os exames solicitados, inclusive com acompanhamento da exigida avaliação clínica acreditando ter satisfeito todos os requisitos exigidos no edital.

Notadamente, em alguns casos, a Administração Militar impede que qualquer falha seja suprida, não fornecendo a possibilidade de recurso administrativo, com a possibilidade de apresentação de relatório médico demonstrando sua aptidão para o exercício do cargo.

A eliminação do candidato é permitida quando não apresenta documentos condizentes e exigidos pelo edital, bem como na fase da inspeção de saúde, a sua eliminação pode ocorrer por motivo previsto no edital e não por alguma alteração no exame médico que não vá interferir nas atividades militares ou por falta de tempo hábil.

4. Exclusão com fundamento em alteração do exame toxicológico

Considera-se substância psicoativa:

Qualquer substância química, lícita ou ilícita, capaz de atuar no sistema nervoso central alterando sensações, percepções, estados emocionais ou níveis de consciência.

O Comando da Aeronáutica exige que os candidatos apresentem, por ocasião da Inspeção de Saúde, resultados de exames toxicológicos realizados em, no máximo, 60 (sessenta) dias antes da INSPSAU, com janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias.

A realização do exame toxicológico em concursos públicos é justificada pela necessidade de proteger a integridade física e a segurança tanto dos próprios candidatos quanto daqueles que possam ser afetados por suas atividades profissionais. Por exemplo, motoristas de transporte público, pilotos, policiais e profissionais de saúde são exemplos de cargos nos quais a sobriedade é crucial para o desempenho seguro de suas funções.

Esses exames geralmente são realizados por meio da coleta de amostras de cabelo, urina ou saliva, que são então submetidas a análises laboratoriais para identificar a presença de substâncias proibidas, como drogas ilícitas e medicamentos controlados. Os resultados desses exames são considerados como parte do processo de avaliação dos candidatos e podem influenciar diretamente em sua aptidão para o cargo em questão.

É importante ressaltar que a realização do exame toxicológico em concursos públicos deve ser realizada de forma ética e respeitando os direitos individuais dos candidatos. Isso inclui garantir a privacidade durante o processo de coleta de amostras, bem como o uso adequado das informações obtidas, de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis à proteção de dados pessoais.

Embora a inclusão do exame toxicológico em concursos públicos possa gerar controvérsias, especialmente em relação à invasão de privacidade, sua utilização visa principalmente garantir a segurança e o bem-estar tanto dos profissionais quanto da sociedade como um todo. Ao assegurar que os candidatos estejam livres de substâncias que possam comprometer seu desempenho no trabalho, os órgãos responsáveis pela seleção de pessoal podem contribuir para a promoção de ambientes de trabalho mais seguros e eficientes.

A presença de substancias proibidas pelo edital é caso de eliminação do candidato, não sendo possível qualquer reversão em âmbito judicial, uma vez que o Poder Judiciário atua com controle de legalidade, não podendo substituir as exigências do Edital.

Contudo, se a eliminação do candidato foi motivada apenas por atraso na entrega do exame toxicológico, cuja responsabilidade não pode ser atribuível a ele e sim ao laboratório incumbido da realização do indigitado exame, deve o candidato prosseguir nas demais fases do certame, e, em logrando êxito, ser investido no cargo público para o qual concorre.

Nesse sentido, recente entendimento da jurisprudência:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO SELETIVO. SERVIÇO MILITAR VOLUNTÁRIO. AERONÁUTICA. AVICON QOCON TEC 3-2021/2022. FASE DE INSPEÇÃO DE SAÚDE. CONCESSÃO DE PRAZO EXÍGUO PARA A ENTREGA DE EXAMES. ELIMINAÇÃO DA CANDIDATA. ILEGALIDADE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. EXIGÊNCIA ATENDIDA. IRREGULARIDADE SUPRIDA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade a eliminação de candidato pela apresentação extemporânea de exames médicos complementares, nos casos em que, demonstrada a complexidade dos exames, é concedido prazo exíguo para o atendimento do ato, devendo ser afastado o excesso de rigor da administração, mormente quando atingido o escopo da exigência. (TRF-1 - AMS: 10668186020214013800, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 31/08/2022, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 08/09/2022 PAG PJe 08/09/2022 PAG)

5. Exclusão do candidato por critério de idade

Segundo a Súmula 683, do STF, o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

A lei pode limitar o acesso a cargos públicos, desde que as exigências sejam razoáveis e não violem o art. 7º, XXX, da Constituição. Entretanto, não se pode exigir, para o exercício do cargo de médico da Polícia Militar, que o candidato seja jovem e tenha vigor físico, uma vez que tais atributos não são indispensáveis ao exercício das atribuições do cargo

Mas afinal, tratando-se de concursos militares, qual seria o limite razoável?

Não podemos negar que o edital é a lei do certame e observadas as atribuições do cargo nada impede que haja limites, até mesmo de forma a compatibilizar não só a prestação das atividades militares, mas também o acesso aos quadros e eventuais promoções. Porém, quando se trata de eliminação por motivo discrepante de idade, como por exemplo meses ou até um ano, não se mostra razoável a eliminação do candidato por tal motivo.

O que não podemos é incentivar candidatos a agir de “má-fé”, cientes de que não preenchem os requisitos e acreditam que por medida judicial vão poder superar qualquer óbice de acesso ao cargo público, essa atuação do candidato violaria o próprio certame público e afetaria também aqueles candidatos que de fato preenchem todos os requisitos e estão aptos para incorporarem.

A jurisprudência em cargos técnicos-científicos (médicos, enfermeiros, professores, etc) possuem uma certa flexibilização no sentido de afastar a aplicação da súmula, dando uma interpretação sistemática ao caso concreto, permitindo que candidatos ingressem sem observar o limite de idade.

Isso porque são cargos de atribuição meramente intelectual e específica da formação, cujas atribuições podem ser exercidas por qualquer candidato da área, cuja idade não implica no exercício. Mas isso não é uma regra, e vai depender da interpretação do juiz ao caso submetido a ele.

6. Medidas administrativas e judiciais

Há uma premissa básica para todo o Concurso Público que é a possibilidade de apresentação do recurso administrativo. A base constitucional está atrelada ao direito de petição, com previsão expressa no art. 5°, XXXIV, alínea a):

  • XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
  • a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

O direito de petição é um dos direitos fundamentais, no sentido de evitar qualquer abuso ou ilegalidade cometida pelo Poder Público em face dos administrados, surgindo então, o direito de questionar atos administrativos emanados em desconformidade com a lei.

Com o concurso público, ainda que por um processo mais simplificado, a Administração Pública promove como forma de atendimento a uma determinação legal e constitucional, cujos atos contrários a essas bases, ensejam ao candidato o direito de interposição de recurso administrativo.

Podemos tirar tal fundamento da própria lei do processo administrativo federal (lei n.9784/99), contendo no art. 56, caput: Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.

Isso significa dizer que todas as etapas devem prever a possibilidade de recurso administrativo quando há reprovação, sendo direito fundamental do candidato interpor recurso, observado o prazo e modelo previsto no edital.

O recurso administrativo é aquele que é direcionado à própria banca e pode ser feito pelo próprio candidato ou por advogado especializado no tema. No recurso administrativo o candidato deve ser sucinto apresentando o motivo legal do direito à permanência no certame público.

Caso o certame público não preveja a possibilidade de recurso administrativo, tal fato, por si só fere direito fundamental do candidato, ensejando a possibilidade de medidas judiciais, dentre eles, o manejo de mandado de segurança.

Assim, a Administração Pública ainda que atue regida no seu poder discricionário e regulamentador não pode usar de tal fator um meio que se coaduna na violação de direitos e principalmente da dignidade da pessoa humana. Outra dúvida, que muitos candidatos possuem é o momento da adoção de medida judicial.

Antes de adentrarmos a esse mérito, importante salientarmos que nem todos possuem direito à impetração do Mandado de Segurança. Considerado um remédio constitucional, está previsto nos incisos LXIX e LXX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 e foi regulamentado pela Lei 12.016/09, editada para trazer as regras e normas pertinentes ao uso do mandado de segurança individual ou coletivo.

é um instrumento jurídico, cuja finalidade é proteger direito líquido e certo, ou seja, provado por documentos, que tenha sido violado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Como o próprio conceito acima menciona, o Mandado de Segurança é uma ação própria para a proteção do direito líquido e certo, sendo este compreendido como o direito demonstrado de plano, que não necessita de quaisquer produção probatória, bem como para a proteção do direito fundamental do indivíduo.

Temos como exemplo: O candidato que é aprovado em um concurso público em 1° lugar, e ao invés de ser convocado para tomar posse, o candidato ocupante do 2° lugar toma posse.

Isso por si só, viola o princípio do acesso ao concurso público, bem como viola diretamente a súmula 15 do STF: Súmula 15 do STF - “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.”

Já o candidato que é eliminado por motivo de saúde não previsto no edital, altura, peso, IMC, ou outros critérios subjetivos, vão depender de produção probatória, o que por si só não comporta mandado de segurança, sendo nestes casos, o mais indicado, o manejo de ação comum ordinária com pedido de tutela de urgência, permitindo ao candidato o acesso as demais etapas do certame público.

Único risco que o candidato corre ao manejar um mandado de segurança quando na verdade era hipótese de uma ação é comum, é o juiz indeferir o Mandado de Segurança por entender que não é a ação adequada ao caso, o que gera uma maior demora na análise do direito proposto ao Judiciário.

Logo, não são todos os casos passíveis de Mandado de Segurança com pedido de liminar, muitas vezes o direito será melhor resguardado com a ação comum e pedido de tutela provisória de urgência.

Outro fator importante, é que candidatos mesmo cientes de que não preenchem os requisitos querem buscar o Poder Judiciário na tentativa de ver afastada alguma norma regulamentadora do certame público e, neste caso, podem ser condenados por litigância de má fé.

7. Conclusão

Na trajetória da realização pessoal e profissional, o concurso público muitas vezes se revela como uma porta de entrada para a concretização de sonhos. Para muitos, esse processo se transforma em uma jornada repleta de desafios, mas também de esperança e oportunidades.

O sonho de alcançar estabilidade financeira, segurança no emprego e reconhecimento profissional frequentemente se entrelaça com a perspectiva de sucesso em concursos públicos. É o desejo de construir uma carreira sólida, baseada em mérito e dedicação, que impulsiona milhares de indivíduos a se prepararem arduamente para enfrentar as provas e os obstáculos que permeiam esse caminho.

Entretanto, mais do que simplesmente uma busca por estabilidade, o concurso público representa a concretização de um ideal de justiça e igualdade de oportunidades. É a oportunidade de ingressar em um serviço público pautado pela meritocracia, onde o esforço e o talento são reconhecidos e recompensados.

Nesse contexto, cada etapa do processo seletivo se torna um desafio a ser superado, um degrau a mais rumo à realização do sonho almejado. Desde os longos meses de estudo até a tensão do dia da prova, cada momento é permeado pela determinação de alcançar um objetivo maior.

E quando, finalmente, o tão esperado resultado é alcançado, a sensação de conquista é indescritível. É a realização de um sonho que se materializa em forma de nomeação, a garantia de um futuro mais estável e promissor. Nos concursos públicos, a eliminação de candidatos é uma etapa inevitável, porém delicada, do processo seletivo. Essa medida, que pode ser aplicada por diversas razões, deve sempre observar princípios fundamentais do direito administrativo, tais como a razoabilidade, a proporcionalidade e a vinculação ao edital.

O princípio da razoabilidade implica que as decisões administrativas devem ser tomadas de acordo com critérios lógicos e sensatos, evitando arbitrariedades e injustiças. No contexto dos concursos públicos, isso significa que as regras estabelecidas para a eliminação de candidatos devem ser claras, objetivas e razoáveis, de modo a garantir tratamento justo a todos os concorrentes.

Juntamente com a razoabilidade, o princípio da proporcionalidade é essencial para garantir a justiça no processo de eliminação de candidatos. Isso significa que a sanção aplicada deve ser adequada à gravidade da infração cometida, evitando punições excessivas ou desproporcionais. Por exemplo, a eliminação de um candidato por uma pequena infração técnica poderia ser considerada desproporcional se comparada com a gravidade do erro cometido.

Além disso, é imprescindível que as decisões de eliminação estejam estritamente vinculadas ao edital do concurso. O edital é o documento que estabelece as regras e os critérios para a seleção dos candidatos, e qualquer medida que fuja desses parâmetros pode ser considerada ilegal e passível de contestação judicial. Portanto, é dever da administração pública agir de acordo com o que foi previamente estabelecido no edital, garantindo assim a segurança jurídica e a transparência do processo seletivo.

8. Bibliografia

BRIZOLA, Patrícia. Concurso Público: 6 dicas para fazer o recurso perfeito. JUSBRASIL, 2024.
Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/concurso-publico-6-dicas-para-fazer-o-recurso-perfeito/1662399158> Acesso em: 11 Abr. 2024.

PORTAL STJ. Legalidade, discricionariedade, proporcionalidade: o controle judicial dos atos administrativos na visão do STJ. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13032022-Legalidade--discricionariedade--proporcionalidade-o-controle-judicial-dos-atos-administrativos-na-visao-do-STJ.aspx> Acesso em: 11 Abr. 2024.

PLANALTO. Lei Federal nº 8.948/94. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8948.htm> Acesso em: 11 Abr. 2024.

PLANALTO. Decreto Federal nº 2406/97. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d2406.htm> Planalto.Gov.Br. Acesso em: 11 Abr. 2024.

PLANALTO. Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE /CP 3, de 18 de dezembro de 2002 - art. 2º, “caput”). Disponível em: <https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECPN32002.pdf> Planalto.Gov.Br. Acesso em: 11 Abr. 2024.

PORTAL TJDFT. Mandado de segurança. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicaosemanal/mandado-de-seguranca> Acesso em: 11 Abr. 2024.

PORTAL TJDFT. Aprovação fora do número de vagas do edital.Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudenciaem-temas/jurisprudencia-em-detalhes/concurso-publico/aprovacao-fora-do-numero-de-vagasdo-edital-2013-surgimento-de-novas-vagas-2013-direito-subjetivo-a-nomeacao-apenas-emsituacoesexcepcionais> Acesso em: 11 Abr. 2024.

Portaria NSCA 160-14/2023 - ABORDAGEM DO USO INDEVIDO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NA AERONÁUTICA. Disponível em: <https://convocacaotemporarios.fab.mil.br/midias/file/77397265fc48e49927c2fb843c7fc52e.pdf> Acesso em: 11 Abr. 2024.

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Entenda o funcionamento da prova de títulos nos concursos. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/noticias/entenda-o-funcionamento-da-prova-detitulos-nos-concursos/118580> Acesso em: 11 Abr. 2024.

A autora do artigo

Dra. Carolina Antunes é advogada fundadora do Escritório Antunes Advocacia Militar com endereço localizado na Av. Presidente Vargas 590, sala 2108, Rio de Janeiro.

É advogada atuante desde 2015, sendo Pós-graduada pela Cândido Mendes em Direito Previdenciário, PósGraduada em Direito Público e Privado pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, com ênfase na preparação para a carreira da Magistratura Estadual, Pós-Graduada em Docência do Ensino Superior pelo Instituto Venturo, MBA em Direito militar e Previdência Militar pelo Instituto Venturo.

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